quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A Cartomante - Machado de Assis

Adaptação para curta-metragem.                                                                                       Suyara Magalhães .


Rita: Como Hamlet disse a Horácio, existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa filosofia. Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa..." Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...


Camilo: (desdenhoso) Pois errou!

Rita: Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Mas você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...

Camilo: (segura às mãos de Rita, olha sério e fixo) Você sabe o quanto lhe quero; esses seus medos parecem de criança. Quando tiver algum receio, eu sou a melhor cartomante, a quem deve recorrer. Não é prudente andar por essas casas, Vilela poderia saber...

Rita: Não saberia, tive muita cautela ao entrar na casa.

Camilo: Onde fica a tal casa?

Rita: Aqui perto, na Rua da Guarda Velha; não passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca.

Camilo: (rindo) Então acredita nessas coisas de verdade?

Rita: (seriamente) Há muita coisa desconhecida, misteriosa nesse mundo que não deixam de ser verdadeiras. Se não acredita, paciência. Mas estou certa de que a cartomante adivinhou tudo. Ao menos agora estou tranquila e satisfeita.

Camilo ia falar, mas reprimiu-se, não queria desiludi-la. Separaram-se contentes.

Narrador: Rita estava certa de que era amada, Camilo não só estava, mas via-a estremecer e arriscar-se por ele, correr às cartomantes , e, por mais que repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. Vamos à explicação: Vilela e Camilo eram amigos de infância. Separaram-se por causa da profissão, Vilela seguiu carreira de magistrado enquanto Camilo entrou no funcionalismo. Na província Vilela casa-se com Rita, uma dama formosa e tonta, abandona a magistratura e vem abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe cara, e foi a bordo recebê-lo.

Rita: (Fala cumprimentando Camilo) É o senhor? Não imagina como meu marido é seu amigo; falava sempre do senhor.

Camilo e Vilela olham-se com ternura.

Narrador: Depois de algum tempo de convivência, vem a intimidade. Algum tempo depois morre a mãe de Camilo. Vilela trata da papelada e do enterro; Rita tratou especialmente do coração. Daí veio o amor. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado dela; era a sua enfermeira moral, quase uma irmã, mas principalmente era mulher e bonita. Liam os mesmos livros, iam juntos a teatros e passeios. Camilo ensinou-lhe as damas e o xadrez e jogavam às noites Agora a ação da pessoa, os olhos teimosos de Rita, que procuravam muita vez os dele, que os consultavam antes de fazê-lo ao marido, as mãos frias, as atitudes insólitas. Um dia, fazendo ele anos, recebeu de Vilela uma rica bengala de presente, e de Rita apenas um cartão com um vulgar cumprimento a lápis, e foi então que ele pôde ler no próprio coração; não conseguia arrancar os olhos do bilhetinho. Palavras vulgares; mas há vulgaridades sublimes, ou, pelo menos, deleitosas. A velha caleça de praça, em que pela primeira vez passeaste com a mulher amada, fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo. Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita como uma serpente, foi-se acercando dele. Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.

Camilo: Recebi cartas anônimas. Uma falava que sabia de todas as aventuras. Chamam-me de imoral e pérfido. Outras se mostraram muito apaixonadas. Tenho medo de que isso chegue até Vilela.

Rita: Bem, disse ela; eu levo-as para comparar a letra com a das cartas que lá aparecerem; se alguma for igual, guardo-a e rasgo-a...

Camilo: Mesmo assim, parei, aos poucos, de ir à sua casa.

Narrador: Nenhuma outra apareceu, Vilela começou a mostrar-se sombrio. Rita foi falar isso à Camilo.

Rita: Tem que voltar a minha casa, isso sossegaria Vilela e talvez ele lhe confesse algo do trabalho.

Camilo: Não posso voltar lá depois de tanto tempo, seria confirmar as suspeitas. Não devemos nos ver por algum tempo. Isso acalmaria tudo.

Separaram-se as lágrimas.

No dia seguinte Camilo recebe um bilhete de Vilela.

“Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora.”

Camilo: (lê o bilhete) Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora.

Quanto antes, melhor, pensou ele; não posso estar assim...

As palavras do bilhete eram sussurradas pela voz de Vilela.

Resolve passar primeiramente na casa da cartomante. Ao abrir a porta:

Camilo: Gostaria de uma consulta.

Cartomante: Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto...

Camilo fez um gesto afirmativo.

Cartomante: E quer saber se lhe acontecerá alguma coisa ou não...

Camilo: (Explicando) A mim e a ela.

Cartomante: As cartas dizem-me... Não tenha medo, não acontecerá nada nem a você nem a ela, o outro ignora tudo. Homem de sorte, ela é bem bonita. Um grande amor os liga.

Camilo: (segurando as mãos da cartomante) A senhora restituiu-me a paz ao espírito.

Cartomante: (risonha) Vá, vá, ragazzo innamorato...

Camilo: (vendo-a comer passas) Passas custam dinheiro, quantas quer mandar buscar?

Cartomante: Pergunte ao seu coração. (ao receber o pagamento) Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá tranquilo. Olhe a escada, é escura; ponha o chapéu...

Chagando a casa de Vilela.

Camilo: Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?

Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal para entrar. Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensanguentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, esticou-o morto no chão

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